Não é fácil prever o futuro, muito menos quando no mundo ocidental se assiste a uma crise, que tem sido apelidada de económico-financeira, mas que se nos afigura mais como uma crise de fim de ciclo, uma crise que indicia o fim de um sistema económico-social que vigorou durante largas décadas no mundo ocidental. Estamos a falar do sistema capitalista de mercado e do seu mais recente sub-produto, a globalização. As questões essenciais que devem ser colocadas são as seguintes: Estará o planeta em condições de continuar a fornecer alimentos, e outros bens, capazes de continuar a proporcionar, a tantos indivíduos, o nível de riqueza e bem-estar material, a que o mundo Ocidental está habituado? Se a resposta à primeira questão for negativa, como parece, qual o sentido da evolução dessas sociedades? Quantos anos mais vão durar as reservas de petróleo, compatíveis com o desenrolar da vida quotidiana tal qual a conhecemos, e que vemos quase como um dado adquirido? Haverá, atempadamente, e a custo comportável para a generalidade dos indivíduos, outras fontes de energia, capazes de substituir o petróleo? É impossível que no futuro venha a ser necessário e compensatório, nalguns sistemas agrários (naturalmente limitados) a tração animal?
E agora a questão que sobrevém: o que é que a raça bovina mirandesa tem a ver com estas grandes questões do nosso mundo? A nosso ver, tudo, e por vários motivos: desde logo porque os produtos principais das raças autóctones Portuguesas – carne e peles, têm tido sucesso graças a uma classe alta ou média alta que o capitalismo tem mantido; também porque é devido às políticas agrícolas de apoio à biodiversidade que os Criadores obtêm uma parte do rendimento, para compensar a menor produtividade relativa ao produto principal – a carne. É que, sem uma classe alta ou média alta, que adquira a carne a um preço significativamente mais elevado que a média e sem uma política de forte subsidiação destas nossas raças autóctones, elas não têm nenhuma hipótese de serem conservadas in vivo, pelo menos nas condições em que são utilizadas em Portugal.
Nalguns Países da Europa, foram criadas Denominações de Origem Protegida (DOPs) e Indicações Geográficas Protegidas (IGPs) para o produto (F1) do cruzamento da fêmea da raça autóctone com um qualquer touro de forte aptidão cárnica; noutros casos ainda, quando do advento das DOPs e IGPs, já as raças autóctones tinham sido melhoradas, provavelmente não só por seleção; talvez, nalguns casos, por cruzamentos de absorção, e têm hoje uma capacidade produtiva, que somada à sua rusticidade, as torna competitivas com as mais competentes raças de aptidão cárnica. Todavia, em Portugal, deu-se o caso de termos sido muito puritanos nestas duas matérias, e temos hoje, essencialmente, DOPs de carne proveniente do bovino de raça pura, sendo que a raça apresenta uma baixa precocidade e uma mediana conformação ao desmame. No caso da raça mirandesa o peso médio das carcaças, aos 210 dias, é de 132 Kg, e maioritariamente classificadas de O e R 16 na grelha de classificação SEUROP. Ora, face ao exposto, é preciso que os criadores e as suas Associações, com o apoio dos serviços do Ministério da Agricultura, se preparem para cenários futuros diferentes do atual.
O Plano de Conservação e Melhoramento Genético da Raça Bovina Mirandesa, aprovado pela Direcção Geral de Veterinária, para o triénio 2011 – 2013, tem como caracteres a ser avaliados (avaliação genética) e objeto de melhoramento, por seleção, a Idade ao primeiro parto, o intervalo médio entre partos e o crescimento entre o nascimento e o desmame (velocidade de crescimento maioritariamente dependente da mãe). São caracteres ligados essencialmente ao segmento mãe, procurando-se melhorar a aptidão maternal. Os dois primeiros têm uma heritabilidade baixa enquanto que o terceiro tem uma heritabilidade média/alta, mas o objetivo do conjunto tem sentido; do ponto de vista genético, porque existe grande variabilidade (pelo menos) fenotípica relativamente aos caracteres em causa e do ponto de vista conjuntural e económico, porque importa, atualmente, vender muitos vitelos ao desmame, ainda que as carcaças tenham um peso sofrível, porque as mesmas são atualmente muito valorizadas e subsidiadas por cabeça.
Relativamente ao futuro, temos dúvidas, mas não só nós: “Consideramos que os objetivos de seleção perseguidos na atualidade são, por um lado, os adequados mas, por outro, de difícil sustentação junto dos que a exploram num contexto globalizado de mercado. Estabelecer como objetivo de seleção a aptidão maternal é um desafio de elevado risco porque a heritabilidade das características que integra é muito baixa e o intervalo entre gerações dos mais prolongados entre as espécies exploradas pelo homem.
A alternativa, poderia ser, como o de outras raças que lhe estão aparentadas, centrar a seleção na velocidade de crescimento, eficiência na conversão alimentar e conformação da carcaça. Neste caso, estar-se-ia a trabalhar com uma heritabilidade elevada, mas desconhecem-se, na atualidade, as implicações potencialmente negativas sobre a qualidade da carne, ponto forte da raça Mirandesa, que se deseja preservar”.
Partilhamos também algumas opiniões, que nos parecem inatacáveis, como: “Assim, a preservação das raças autóctones tem que assentar num programa de desenvolvimento sustentado dos recursos genéticos animais, isto é, um programa cientificamente consistente, tecnicamente apropriado, economicamente viável, socialmente aceite e não agressivo para o meio ambiente. A implementação de programas que visem, simplesmente, a preservação genética, estarão sempre condenados ao fracasso.
A satisfação das necessidades e expectativas humanas não podem ser travadas, pelo alegado interesse em se manterem os recursos genéticos dos animais domésticos no seu estado actual. Nem cientificamente há suporte para uma tal ação” , ou: “Pode-se e deve-se, como ainda afirma HODGES (1991), controlar as mudanças que se introduzirem, as quais deverão incluir uma provisão para novas mudanças, no futuro, para ecossistemas mais próximos, diferentes ou inovadores, geridos pelo homem. As mudanças correntes não devem impossibilitar essas futuras opções, ou deixar de preservar a diversidade genética que não é presentemente necessária” .
Pretendendo conciliar e sintetizar, o melhor que está ao nosso alcance, as opiniões e os receios dos autores citados, e de outros, juntando alguma da nossa observação e análise, e 17 tendo ainda presente que há três métodos de conservação de raças puras (sémen congelado – o mais barato, embriões congelados e populações animais), num mundo em mutação acelerada e entrópica, seja ao nível dos ecossistemas, seja ao nível das políticas, diríamos o seguinte:
- 1 – As raças autóctones, no caso em apreço a mirandesa, devem interessar ser preservadas no seu habitat, exploradas economicamente, em sistemas agrários não agressivos para o ambiente;
- 2 – Para isso, e para não dependerem de forte subsidiação, que é incerta a prazo, devem ser economicamente viáveis, portanto, competitivas de per si;
- 3 – O melhoramento genético por seleção não deve ser levado a extremos de um caminho sem retorno, tornando a raça inadaptada num cenário diverso, futuro;
- 4 – Para ser competitiva, ou é possível aumentar consideravelmente o preço por Kg de carcaça, pago ao produtor, ou a raça tem que produzir carcaças mais pesadas (aos 210 d);
- 5 – Há duas formas de tentar este objetivo:
a) Centrar a seleção na velocidade de crescimento, índice de conversão e conformação - processo moroso, com limitações e o risco atrás citado, relativo às implicações possíveis na qualidade da carne (sem retorno). Devemos, julgo, manter um equilíbrio dinâmico entre a uniformidade fenotípica e a variabilidade potencial;
b) Manter grande parte da variabilidade existente, continuando com uma seleção pouco intensa relativamente aos caracteres de aptidão maternal e certificar o F1 do cruzamento da vaca mirandesa com um touro de aptidão cárnica. O F1, produto do cruzamento com o touro limousine, é muito apreciado por alguns talhantes e consumidores, o que teria de ser provado de forma científica. Esta hipótese tem as vantagens de ser de fácil e segura execução e de não levar a caminhos sem retorno.